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TEXTOS SOBRE O CORO POLYPHONIA

MÁRIO SAMPAYO RIBEIRO
o primeiro Mestre Cantor-Mor de Polyphonia Schola Cantorum

A já longa história de Polyphonia Schola Cantorum foi marcada desde o início pela figura ímpar de Mário de Sampaio Ribeiro, seu Mestre Cantor-Mor desde a fundação em 1941 até 1966. A resenha histórica que se segue demonstra, por um lado, a grande capacidade de trabalho e as notáveis qualidades desse grande musicólogo e, por outro, quanto lhe deve a música em Portugal.

Mário de Sampaio Ribeiro, espírito tão inquieto quanto determinado, deixou uma longa obra em domínios tão variados como a música, a arqueologia, a olisipografia e a história. Extremamente rigoroso nos seus trabalhos e exigente consigo e com os outros, nunca abordava um assunto sem o desbravar até onde lhe fosse possível, nem fazia cedências a facilidades ou conveniências. Polemista vigoroso, não deixava de brandir a sua espada em defesa dos princípios e valores em que acreditava e de teses que levantaram grande celeuma no seu tempo.

Uma vida ao serviço da música

Mário de Sampaio Ribeiro viveu uma vida longa, iniciada ainda no século XIX, em 1898 e que se prolongou até 1966, mas que, apesar disso, foi sempre preenchida com muito entusiasmo. Aos seis anos já estudava música e piano, estudos que viria mais tarde a aprofundar e a alargar no Conservatório Nacional de Música onde, além de piano, estudou também violoncelo e composição. A sua curta passagem pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras não o desviou do que mais o interessava - a Arte e a Cultura - onde viria a notabilizar-se, quer como investigador histórico com especial ênfase em temas sobre a cidade de Lisboa, quer como etnólogo, quer ainda como investigador e crítico musical. No campo da música realizou um vasto trabalho de investigação estando referenciadas no Boletim da Academia Portuguesa de História cerca de 250 das suas obras mais notáveis que incluem estudos sobre a História da música em Portugal, de musicologia, de música popular e sobre os grandes polifonistas e mestres compositores nacionais. De entre esses estudos destacam-se Da música manuscrita existente na Biblioteca Nacional de Lisboa (uma inventariação do seu fundo musical na qual colaboraram o maestro Armando Santiago e Constança Capdeville), A Música em Portugal nos Séculos XVIII e XIX (1938), O estilo expressivo, raiz da música polifónica portuguesa e várias monografias como a Obra musical de António de Figueiredo, Damião de Góis na Livraria Real de Música, Luísa Todi e Livraria de Música de El-Rei D. João IV (1967, incompleto).

Quanto aos polifonistas, fez incidir o seu trabalho de investigação nos mestres das escolas de Lisboa e de Coimbra. Da primeira, estudou a vida e a obra de Duarte Lobo (156? - 1646), mestre da capela da catedral de Lisboa, de Filipe de Magalhães (1571 - 1652), mestre da capela real e de Frei Manuel Cardoso (1566 - 1650), mestre da capela do convento do Carmo e mestre de D. João IV. Da escola de Santa Cruz de Coimbra, estudou D. Heliodoro de Paiva (? - 1552), D. Francisco de Santa Maria (? - 1597) e D. Pedro de Cristo (1545 - 1618). Os seus trabalhos sobre Damião de Góis (1501 - 1574) e D. João IV (1604 - 1656) permitiram desbravar novos caminhos na relação entre estas duas notáveis figuras da nossa História e a música polifónica portuguesa nos séculos XVI e XVII.

Foi também de grande importância para o estudo da música em Portugal a contribuição de Mário de Sampaio Ribeiro através dos seus estudos e transcrições de Vilancicos do século XVI e de música sacra da Renascença portuguesa (séculos XVI e XVII), que em boa parte, descobriu nas sés de Évora, Elvas, Lisboa, Coimbra e Viseu e na Biblioteca Nacional em Lisboa, permitindo a sua execução nos tempos modernos.

Um divulgador de excelência: só o melhor o satisfazia

Mário de Sampaio Ribeiro não se limitava, porém, a estudar e a investigar os grandes compositores portugueses e a sua obra. Sentindo que era necessário divulgar os polifonistas que haviam sido esquecidos durante anos e anos, empenhou-se na criação e regência de coros: foi director artístico do Coro Universitário de Lisboa e colaborou na criação, em 1941, de Polyphonia – Schola Cantorum de que foi Mestre Cantor-Mor até ao fim da sua vida. A sua regência de Polyphonia – sempre enriquecida com preciosos comentários sobre os autores e as peças a interpretar – atingia sempre um elevado nível reconhecido por toda a Europa onde actuava como aconteceu em Santiago de Compostela onde o Deão da Catedral, depois de um concerto de Polyphonia, afirmou: Hoy han cantado la vez primera, y por la boca de ustedes, las figuras del Pórtico de Gloria (ref. por Fernando C. Quintais em “Os Últimos MestresCantores: Mário de Sampaio Ribeiro e D. João IV” in “Olisipo” do Grupo Amigos de Lisboa, 1989).

Foi ainda compositor de obras para piano, canto e piano, violino e piano, e orquestra, sendo porém mais conhecido pelas suas dezenas de composições profanas e litúrgicas, das quais, as mais conhecidas são um Vexilla Regis e um Te Deum para coro e orquestra e a Missa de Santa Cecília.

Como investigador do folclore musical português, que defendeu vigorosamente em inúmeras publicações (“Ocidente”, “Litoral”, “Revista de Etnografia”, etc.) e no 1º Congresso de Etnografia e Folclore realizado em Lisboa em 1963, registou e harmonizou muitas das suas peças permitindo a sua divulgação popular.

Nos anos 50 e 60 do século passado dirigiu com o Tenente Manuel Joaquim e Macário Santiago Kasner, o Comité de Musicologia da Fundação Calouste Gulbenkian de que era colaborador o conhecido musicólogo de Évora Cónego José Augusto Alegria (1917 - 2004) que sucedeu a Mário de Sampaio Ribeiro como Cantor-Mór de Polyphonia.

Fez crítica musical, inicialmente sob o pseudónimo “Ego” e foi relator da Comissão que em 1957 estudou a versão oficial do Hino Nacional, trabalho que deu origem a vigorosa polémica com outros musicólogos nacionais.

Com o intuito de divulgar muitas das peças que tinha trabalhado iniciou a sua edição através de Polyphonia com os conhecidos Cadernos Azuis e os “Chefs-d’Oeuvres de la Musique Portuguaise” com peças dos polifonistas portugueses, e os Cadernos Amarelos com canções populares, que, por estarem em depósito no distribuidor Valentim de Carvalho, desapareceram quase todos no incêndio do Chiado de 25 de Agosto de 1988, sendo hoje peças raras que carecem de reedição.

Mário de Sampaio Ribeiro investigava, escrevia, publicava e interpretava, sendo justamente considerado um dos maiores musicólogos portugueses do século XX.

(Em Lisboa e Junho de 2006,
        por João Martins Vieira)

POLYPHONIA SCHOLA CANTORUM

Schola Cantorum tem uma presença muito peculiar e muito nobre nas actividades musicais do século XX português e afirma-se como um facto cultural de novidade bem patente em seu currículo e em seus alcances programáticos – PRO DEO, PRO ARTE, PRO PATRIA. Entender Polyphonia Schola Cantorum como simples «coro» é apoucar-lhe a importância – o coro é um dos rostos da promoção da música portuguesa, particularmente da música dos séculos XV a XVIII, que havia de ser ressuscitada do esquecimento dos arquivos, estudada e divulgada também por publicações e registos discográficos.

Polyphonia Schola Cantorum terá nascido após descoberta, por Manuel Joaquim, do Cancioneiro Musical e Poético da Biblioteca Públia Hortênsia de Elvas e com o entusiasmo de Olga Violante (soprano), Sara Navarro Lopes (contralto), Sebastião Cardoso (tenor) e João Silva Santos (baixo) que convidaram Mário de Sampayo Ribeiro para a Direcção Artística. Foi este o primeiro cantor-mor até sua morte (13 de Maio de 1966), tendo-lhe sucedido José Augusto Alegria, cónego da Sé de Évora – os dois grandes expoentes da investigação musicológica em Portugal.

Promoveram-se concertos de invulgar interesse, publicaram-se polifonias portuguesas de rara qualidade, estudaram-se os principais centros da prática musical dos séculos XV a XVIII entre nós – Coimbra, Évora, Lisboa, Viseu, Vila Viçosa, Elvas.

Um tão apurado culto e porfiado estudo dos tesouros musicais antigos chamou a atenção dos meios culturais e havia de ter continuação, com subidos cabedais económicos, através das iniciativas da Fundação Calouste Gulbenkian, cujo Serviço de Música beneficiou da Direcção de pessoas de nobre espírito e metas culturais da melhor referência.

Parece bem «sintomático» ter-se chamado para primeira Directora do Coro Gulbenkian Olga Violante, uma das «matrizes» de Polyphonia Schola Cantorum. Parece bem «sintomático» ser uma das primeiras realizações do Coro Gulbenkian a gravação para Philips de três LP de música antiga portuguesa – vilancetes do referido Cancioneiro Musical e Poético da Biblioteca Públia Hortênsia de Elvas – missas, responsórios, motetes; a estas gravações seguiu-se a do barroco português – Carlos Seixas, António Teixeira e Francisco António de Almeida (já apresentados por Polyphonia Schola Cantorum). Parece bem «sintomático» ter a mesma Fundação levado a cabo a publicação da música antiga portuguesa, aproveitando, para tal, o rigoroso trabalho do segundo cantor-mor de Polyphonia Schola Cantorum, José Augusto Alegria.

Não será pois de modo nenhum abusivo pensar o que durante muito tempo correu nos meios culturais do País, a saber: a Directora do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, Madalena Azeredo Perdigão, terá seguido e aprofundado os propósitos de Polyphonia Schola Cantorum, que não pode confinar-se a um coro.

por
António Leitão
3º Cantor-Mor de Polyphonia Schola Cantorum